sexta-feira, 9 de março de 2012

Rifles e versos

Da forma que pensa o homem
terno e relógio, gravata em punho
deforma orações, capota palavras avulsas

Faz do discurso uma mentira armada
Rifles e versos.

O outro, que vive de favor
já foi pedreiro, ambulante, pintor
come aquilo que pode
dorme tanto que a hora acerta
todo dia, meia dúzia de tempos.

Cria seis cachorros, quatro gatos,
uma esposa, cinco filhos e duas igrejas
Deixou de morar de aluguel
comprou casa, sem papel,
sem esgoto, água encanada.

Tem televisão, santo na parede, e mais nada.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Somos todos avestruzes (e algumas conclusões)



Conclusões de fim-de-ano (porque resoluções de ano novo é coisa para fracos)

- Não acredito em eleições.
- Não acredito em copa do mundo.
- Não acredito em educação, do jeito que ela é, da forma como ela é feita.
- Não acredito em professores da rede pública que acham que ganham salários justos e tem preguiça de fazer greve.
- Não acredito em festivais de rock, ou indies. Felizes são as pessoas que frequentam as micaretas. Tanto faz quem toca, e por que toca.
- Não acredito na arte contemporânea, não acredito na Bienal.
- O Masp tá bonito por fora, com aquelas nuvens e tal, mas oco por dentro, por incompetência de lidar com o acervo que tem. Digo isso pois costumava estudar lá, mas não há qualquer indício de ensino por aquelas bandas.
- Acredito, sim, no teatro de pesquisa paulistano. Esperto, ágil e embasado.
- Acredito em alguns poucos professores (por enquanto, descobri alguns nas áreas de fotografia, história e urbanismo) que se mantem sãos e indicam autores incríveis.
- Acredito na Susan Sontag, quando ela fala que quando entendemos o quão ruim é mundo, fotografamos para guardar numa gaveta e esquecer.
- Acredito na existência de vida fora da Terra, e espero que eles venham logo.
- Acredito na vida a dois com ela, pois repartimos e criamos juntos.
- Acredito em compartilhar um ponto de vista, assistir série e comer temaki com o abajur vermelho ligado.

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Sobre a interminável descoberta de uma nova cidade dentro da cidade, vim parar no Tatuapé. Dar aula de fotografia (e aulas sobre o olhar) num lugar que olha mas não se vê, é um prazer quase sádico, de peripécias antropológicas que não passam no SP TV.

Tenho alunos que vieram do nordeste para a zona leste da cidade e nunca saíram daqui. Estudaram, casaram, tiveram filhos. Entendem que a Av. Salin Farah Maluf é a principal via da metrópole e o aeroporto de São Paulo fica em Guarulhos. Possuem dois pontos de lazer: um shopping que fica do lado do metrô e outro shopping que fica do outro lado do metrô. Ambos vivem lotados, assim como a linha vermelha que passa entre eles.

A região toda trava de manhã, fica lenta durante o dia todo e volta a travar no final da tarde.

O povo daqui sempre diz que um dia a cidade vai parar. O que eles não vêem é que a cidade já parou e continuamos engatinhando ao redor dela. Vez por outra colocam a cabeça pra dentro, avestruzes que somos.

Não estou dizendo que o centro seja um ótimo lugar. Mas ao menos no centro há uma sensação de não-lugar, de despertencimento - que dói, mas liberta. O bairrismo, filho bastardo do patriotismo preguiçoso, não mora no centro.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

No ponto final

Morgan Freeman sentou ao meu lado. Embarcou na Avenida do Estado, em meio aos galpões abandonados da Mooca. Lento e curvado, esfregou o bilhete de idoso no leitor óptico e se espremeu contra a catraca. Largou no chão uma bolsa preta e resmungou alguma coisa com o cobrador, que resmungou de volta. Às vezes eu tenho a impressão de que as pessoas dessa cidade se comunicam por códigos, tudo parte de um complô para tornar os estrangeiros cada vez mais estrangeiros.

Procurava algum pretexto para investigar Morgan, ver como estava, afinal, depois de uma longa carreira e de tantos filmes com lições de moral pretensiosas. Sua aparência, suas roupas, suas mãos. Tentando disfarçar, olho para os lados e vejo construções que a natureza já incorporou, onde agora árvores nascem e crescem no cimento. Do lado esquerdo, o que Pita chamava de “Fura-Fila”, a Marta de “Paulistão” e o Serra de “Expresso Tiradentes”. Um imenso cordão amarelo e arredondado, que burla o trânsito tenso e faz com que grandes ônibus verdes flutuem na direção de um infinito cinzento.

Só fui conseguir olhar para Morgan perto da estação Ana Neri, quando ele esticou o pescoço de leve, na busca de algo, alguém, informação qualquer. Assim vejo o que ninguém vê, nos filmes hollywodianos. Morgan sem maquiagem tem a barba mal feita, cinza-marrom achatada, espessa perto das orelhas e rala no queixo. A pele seca, suja e gasta, parece feita do mesmo material que suas sandálias. Longe daquele ator com expressão sábia de Um Sonho de Liberdade, o homem que vejo lembra mais o mendigo de O Todo Poderoso.

Sempre desço na Anhaia Mello. Levanto do banco e fico quase em pé, esperando que Morgan recolha as pernas para que eu possa passar. Não peço licença, não digo nada. Ele demora a notar que vou descer. E quando nota, me olha nos olhos. Só então reparo que Morgan Freeman tem, também nos olhos, a cor marrom. Completamente marrons. Sabe aquela parte branca que todo mundo tem nos olhos? O Morgan Freeman não tem. Só marrom, um único tom de marrom.

Não sei por quanto tempo ele me olhou nos olhos. Sei que quase perdi o ponto. Só consegui passar para o corredor quando suas pálpebras morreram sobre sua vista, tão sujas quanto suas sandálias. Desci e fiquei olhando pela janela. Continuavam fechadas, as pálpebras de Morgan Freeman. Talvez tenha muito sono, provavelmente cansado de fazer os novos filmes do Batman. Ou isso, ou ele pode dormir porque desce no lugar onde todos os homens e mulheres com sandálias rasgadas cor-de-pele-morena descem. No ponto final.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Intervalo

Som, sonar
Histórias mal contadas
Réplicas, utilidades públicas
Caixas acústicas, conchas convexas
Bólidos polidos
Invenções cósmicas
Intervenções rotuladas
Estética interessada, conteúdo previsível
A arte pura, a arte burra
Nichos de ambigüidade, fluxo interrompido
Pedaços que não se completam,
Versos que não se falam

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Exposição Coletiva no CEUMA (USP)


Local: 3º andar do Centro Universitário Maria Antônia (Prédio do TUSP)
Rua Maria Antonia, 294 - Vila Buarque. São Paulo / SP


Visitação: até 1 de fevereiro de 2009
terça a sexta, das 12 às 21h
sábados, domingos e feriados, das 10 às 18h

Participo da exposição com uma pequena parte da série "O grande mal da experiência estética". São cinco imagens de um projeto que ainda está em fase inicial. A foto do início do post faz parte do ensaio e da exposição.


terça-feira, 16 de setembro de 2008

Eu vi o Sérgio Malandro




Eu vi o Sérgio Malandro. Ele estava contente, bem vestido, tirando fotos com o pessoal, ali na parte República do Viaduto do Chá.
Terno cinza, gravata preta, sapatos pretos. Coisa Fina. Junto, cinco homens-aranha, desses tipo festa de criança, azul e vermelho. No meio, um carro de som. E nada de bilú bilú bilú, bilú tetéia. O que se ouvia era mais uma irritante música de candidato a vereador, porque música de candidato a vereador tem que ser obrigatoriamente ainda mais irritante do que jingle da Marabrás.

E no site do TSE consta que
Sérgio Malandro não possui bens a declarar. Que pindaíba!

Mas para o paulistano que acha que ficou fácil escolher seu candidato, péraumpouco. Eu tenho sugestões:

Dinei, “porque corinthiano vota em conthiano!”
Pastor Jucemar, que promete lutar pela família (?) e tem o slogan mais legal de todos os slogans do mundo: “Eeeeita Deus!”.
O Alemão da Saúde tem uma boa proposta: “seja branco ou negro, homem ou mulher, hétero ou homossexual, todos tem direito a saúde”.
Nem todos, mas os pansexuais que arranjem seu próprio candidato, Né?

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Mas meu partido preferido é o PRP, o do Professor Roberto Melão.

O Professor Roberto Melão, como a maioria dos candidatos, deve ter uns 8 segundos pra falar algumas frases de efeito, ou dizer que só o partido dele presta.
Mas o Professor resolveu mandar pro espaço o tal “Saúde, trabalho e educação, São Paulo precisa de seriedade”, optando por algo mais reflexivo.
- “20.013, 20.013, 20.013, 20.013 Roberto Melão, 20.013 já!”.



sexta-feira, 15 de agosto de 2008

a história da boca que engolia gente

Do lado do meu apartamento tem uma boca.
Ali, na Ladeira, uma boca imensa.
Que engole terra, luz, horas e até mesmo gente
Pra vomitar tudo no outro dia, quando o dia nem é dia ainda.
E faz de tudo pra tudo ser um hábito,
tudo, como deve ser feito

Carnes inteiras, cidades inteiras,
corpos vestindo outros corpos
Enfileirados, etiquetados.
Tão prontos que nem se lembram mais
Então a boca canta, que boca que não canta não engole gente.

o que você gosta de ouvir
quando silêncios gritam?
o que você gosta de ouvir
quando o que devia ser dito se esconde atrás de anúncios,
fotos de crianças sorrindo?



segunda-feira, 4 de agosto de 2008

...

Aguarde.

Sintonizando em UHF. Afinal, a TV digital tá por aí, mas ninguém viu.